| SAMARICA PARTEIRA |
| — Oi sertão! |
| — Ooi! |
| — Sertão d' Capitão Barbino! Sertão dos caba valente… |
| — Tá falando com ele… |
| — …e dos caba frouxo também |
| -…já num tô dento |
| — Há, há, há… |
| — sertão das mulhé bonita… |
| ôoopa |
| — …e dos caba fei' também ha, ha |
| — …há, há, há… |
| — Lula! |
| — Pronto patrão |
| — Monte na bestinha melada e risque. Vá ligeiro buscar Samarica parteira que |
| Juvita já tá com dô de menino |
| Ah, menino! Quando eu já ia riscando, Capitão Barbino ainda deu a última |
| instrução: |
| — Olha, Lula, vou cuspi no chão, hein?! Tu tem que vortá antes do cuspe secá! |
| Foi a maior carreira que eu dei na minha vida. A eguinha tava miada |
| Piriri piriri piriri piriri piriri piriri piriri |
| Uma cancela: nheeeiim … pá… |
| Piriri piriri piriri piriri piriri piriri |
| Outra cancela: nheeeiim… pá! |
| Piriri piriri piriri pir… êpa ! |
| Cancela como o diabo nesse sertão: nheeeiim… pá! |
| Piriri piriri piriri piriri |
| Um lajedo: patatac patatac patatac patatac patatac. Saí por fora ! |
| Piriri piriri piriri piriri piriri piriri piriri piriri |
| Uma lagoa, lagoão: bluu bluu, oi oi, kik' k' - a saparia tava cantando |
| Aha! Ah menino! Na velocidade que eu vinha essa égua deu uma freada tão danada |
| na beirada dessa lagoa, minha cabeça foi junto com a dela… e o sapo gritou |
| lá de dentro d'água: |
| — ói, ói, ói ele agora quaje cai! |
| … Sapequei a espora pro suvaco no vazi' dessa égua, ela se jogou n'água |
| parecia uma jangada cearense: Tchi, tchi, tchi |
| Saí por fora |
| Piriri piriri piriri piriri piriri piriri piriri |
| Outra cancela: nheeeiim… pá! |
| Piriri piriri piriri piriri piriri piriri |
| Um rancho, rancho de pobe… |
| — Au au! |
| Cachorro de pobe, cachorro de pobe late fino… |
| — Tá me estranhan’o cruvina? |
| Era cruvina mermo. Balançô o rabo. Não sei porque cachorro de pobe tem sempre |
| nome de peixe: é cruvina, traíra, piaba, matrinxã, baleia, piranha |
| Há! Maguinho mas caçadozinh' como o diabo! |
| Cachorro de rico é gooordo, num caça nada, rabo grosso, só vive dormindo. |
| Há há … num presta prá nada, só presta prá bufar, agora o nome é bonito: |
| é white, flike, rex, whiski, jumm |
| Há! Cachorro de pobe é ximbica! |
| — Samarica, ooooh, Samarica parteeeeira! |
| Qual o quê, aquelas hora no sertão, meu fi', só responde s’a gente dê o prefixo: |
| — Louvado seja nosso senhor J’us Cristo! |
| — Para sempre seja Deus louvado |
| — Samarica, é Lula… Capitão Barbino mandou vê a senhora que Dona Juvita já tá |
| com dô de menino |
| — Essas hora, Lula? |
| — Nesse instante, Capitão Barbino cuspiu no chão, eu tem que vortá antes do |
| cuspe secá |
| Peguei o cavalo véi de Samarica que comia no murturo? Todo cavalo de parteira |
| é danado prá comer no murturo, não sei porque. Botei a cela no lombo desse |
| cavalo e acochei a cia peguei a véia joguei em riba, quase que ela imbica |
| p’outa banda |
| — Vamos s’imbora Samarica que eu tô avexado! |
| — Vamo fazê um negócio Lula? Meu cavalin' é mago, sua eguinha é gorda, |
| eu vou na frente |
| — Que é que há Samarica, prá gente num chegá hoje? Já viu cavalo andar na |
| frente de égua, Samarica? Vamo s’imbora que eu tô avexado! |
| Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic |
| Nheeeiim… pá! |
| Piriri tic tic piriri tic tic |
| Bluu oi oi bluu oi, uu, uu |
| — ói, ói, ói ele já voltoooou! |
| Saí por fora |
| Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic |
| Patateco teco teco, patateco teco teco, patateco teco teco |
| Saí por fora da pedreira |
| Piriri piriri tic tic piriri tic tic |
| Nheeeiim… pá ! |
| Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic |
| Nheeeiim… pá ! |
| Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic |
| Nheeeiim… pá! |
| Piriri piriri tic tic piriri tic tic |
| — Uu uu |
| — Tá me estranhando, Nero? Capitão Barbino, Samarica chegou |
| — Samarica chegou! |
| Samarica sartou do cavalo véi embaixo, cumprimentou o Capitão, entrou prá |
| camarinha, vestiu o vestido verde e amerelo, padrão nacioná, amarrou a cabeça |
| c’um pano e foi dando as instrução: |
| — Acende um incenso. Boa noite, D. Juvita |
| — Ai, Samarica, que dô ! |
| — É assim mermo, minha fi’a, aproveite a dô. Chama as muié dessa casa, |
| p’a rezá a oração de São Reimundo, que esse cristão vem ao mundo nesse |
| instante. B’a noite, cumade Tota |
| — B'a noite, Samarica |
| — B'a noite, cumade Gerolina |
| — B'a noite, Samarica |
| — B'a noite, cumade Toinha |
| — B'a noite, Samarica |
| — B'a noite, cumade Zefa |
| — B'a noite, Samarica |
| — Vosmecês sabe a oração de São Reimundo? |
| — Nós sabe |
| — Ah Sabe, né? Pois vão rezando aí, já viu? |
| — Capitão Barbiiino! Capitão Barbino tem fumo de Arapiraca? Me dê uma capinha |
| pr' ela mastigar. Pegue D. Juvita, mastigue essa capinha de fumo e não se |
| incomode. É do bom! Aguenta nas oração, muié! Mastiga o fumo, D. Juvita… |
| Capitão Barbino, tem cibola do Cabrobró? |
| — Ai Samarica! Cebola não, que eu espirro |
| — Pois é prá espirrar mesmo minha fi’a, ajuda |
| — Ui |
| — Aproveite a dor, minha fi’a. Aguenta nas oração, muié. Mastigue o fumo D. |
| Juvita |
| — Capitão Barbiiino, bote uma faca fria na ponta do dedão do pé dela, bote. |
| Mastigue o fumo, D. Juvita. Aguenta nas oração, muié. |
| — Ai Samarica, se eu soubesse que era assim, eu num tinha casado com o diabo |
| desse véi macho |
| — Pois é assim merm' minha fi’a, vosmecê casou com o vein' pensando que ela num |
| era de nada? Agora cumpra seu dever, minha fi’a. Desde que o mundo é muundo, |
| que a muié tem que passar por esse pedacinh'. Ai, que saudade! Aguenta nas |
| oração, muié! .Mastigue o fumo, D. Juvita |
| — Ai, que dô! |
| — Aproveite a dô, minha fi’a. Dê uma garrafa pr' ela soprá, dê. Ô, muié, hein? |
| Essa é a oração de S. Reimundo, mermo? |
| — É.é |
| — Vosmecês num sabe outra oração? |
| — Nós num sabe… |
| — Uma oração mais forte que essa, vocês num têm? |
| — Tem não, tem não, essa é boa |
| — Pois deixe comigo, deixe comigo, eu vou rezar uma oração aqui, |
| que se ele num nascer, ele num tá nem cum diabo de num nascer: «Sant' Antoin pequenino, mansadô de burro brabo, fazei nascer esse menino, |
| com mil e seiscentos diabo!» |
| — Nasceu e é menino homem! |
| — E é macho! |
| — Ah, se é menino homem, olha se é? Venha vê os documento dele! E essa voz! |
| Capitão Barbino foi lá detrás da porta, pegou o bacamarte que tava guardado a |
| mais de 8 dia, chegou no terreiro, destambocou no oco do mundo, deu um tiro tão |
| danado, que lascou o cano. Samarica dixe: |
| — Lascou, Capitão? |
| — Lascou, Samarica. É mas em redor de 7 légua, não tem fi' duma égua que num |
| tenha escutado. Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, |
| que o nome do menino… é Bastião |
| Orlando Rodrigues |