| Na minha cidade tem poetas, poetas
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| Que chegam sem tambores nem trombetas
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| Trombetas e sempre aparecem quando
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| Menos aguardados, guardados, guardados
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| Entre livros e sapatos, em baús empoeirados
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| Saem de recônditos lugares, nos ares, nos ares
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| Onde vivem com seus pares, seus pares
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| Seus pares e convivem com fantasmas
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| Multicores de cores, de cores
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| Que te pintam as olheiras
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| E te pedem que não chores
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| Suas ilusões são repartidas, partidas
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| Partidas entre mortos e feridas, feridas
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| Feridas mas resistem com palavras
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| Confundidas, fundidas, fundidas
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| Ao seu triste passo lento
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| Pelas ruas e avenidas
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| Não desejam glórias nem medalhas, medalhas
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| Medalhas, se contentam
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| Com migalhas, migalhas, migalhas
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| De canções e brincadeiras com seus
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| Versos dispersos, dispersos
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| Obcecados pela busca de tesouros submersos
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| Fazem quatrocentos mil projetos
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| Projetos, projetos, que jamais são
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| Alcançados, cansados, cansados nada disso
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| Importa enquanto eles escrevem, escrevem
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| Escrevem o que sabem que não sabem
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| E o que dizem que não devem
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| Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas
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| Como se fossem cometas, cometas, cometas
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| Num estranho céu de estrelas idiotas
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| E outras e outras
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| Cujo brilho sem barulho
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| Veste suas caudas tortas
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| Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas
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| Esvaindo-se em milhares, milhares, milhares
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| De palavras retrocedendo-se confusas, confusas
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| Confusas, em delgados guardanapos
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| Feito moscas inconclusas
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| Andam pelas ruas escrevendo e vendo e vendo
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| Que eles vêem nos vão dizendo, dizendo
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| E sendo eles poetas de verdade
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| Enquanto espiam e piram e piram
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| Não se cansam de falar
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| Do que eles juram que não viram
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| Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas
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| Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas
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| Lançadas ao espaço e ao mundo inteiro
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| Inteiro, inteiro, fossem vendo pra
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| Depois voltar pro Rio de Janeiro |